quinta-feira, 12 de maio de 2011

Higienópolis contra o mundo

20:00, 11/05/2011 - PAULO MOREIRA LEITE

CULTURA, GERAL TAGS: HIGIENÓPOLIS, METRO, SÃO PAULO

Conheço Higienópolis, tenho bons amigos que residem ali. Frequento as ótimas padarias no bairro, adoro a praça Buenos Aires. Qualquer pessoa que circula por aquelas ruas arborizadas percebe a riqueza na elegancia dos automóveis, nos edifícios imensos, no cardápio de restaurantes, no luxo das lojas.

Num país como o nosso, a prosperidade de Higienópolis sempre foi um convite aos discursos adolescentes sobre a desigualdade e os privilégios no Brasil.

Mas acabo de saber que 3.000 moradores do bairro decidiram dar uma contribuição voluntária e inesquecível para ampliar a distancia entre ricos e pobres de São Paulo. Eles organizaram um movimento para impedir a construção de uma estação do metrô naquele lugar. Pior: informadas do pedido, as autoridades responsáveis pelo metrô decidiram atendê-lo prontamente.

Não dá para acreditar: a população pobre implora para ter metrô perto de casa. Os moradores de Higienópolis fazem o contrário. Mas, enquanto a população pobre quase nunca recebe o que quer, a turma de Higienópolis consegue definir o traçado do transporte público ao sabor de suas conveniencias, numa demonstração de que, além de fortunas, em Higienópolis também se possui muito poder.

Infelizmente, nem todas as pessoas que moram e frequentam Higienópolis estão em condições de dispensar uma melhoria no transporte coletivo.

Como nós sabemos, a riqueza pode não valorizar a própria criadagem, mas não costuma viver sem ela. Precisa de braços alheios para a fazer o almoço, limpar a casa, dirigir automóveis e buscar crianças na escola.

Higienópolis tem um considerável número de escolas e agências bancárias e só o shopping center do bairro exibe uma imensa fila de funcionários todas as manhãs, quando balconistas, faxineiros, e trabalhadores que cumprem tarefas variadas dão início a jornada de trabalho. Quem anda por Higienópolis só precisa olhar para os imensos apartamentos vendidos por vários milhões de reais para imaginar quantas arrumadeiras, cozinheiras, babás, porteiros, motoristas e seguranças e guarda-costas prestam serviço por ali.

Para essas pessoas, a alternativa será virar-se com aquilo que a cidade já oferece hoje — ou utilizar uma estação vizinha, em frente ao estádio do Pacaembu. A diferença é que, entre o estádio e o bairro, há uma boa distância geográfica e um incômodo adicional — a ladeira da Fundação Armando Álvares Penteado. Que azar!

Confesso que o mais decepcionante, neste episódio, é ler no jornal as explicações dos líderes do movimento. Eles temem a degradação do bairro. Traduzindo: o metrô vai trazer a ralé, com ela virá a violencia, a sujeira, o crime, o roubo…

(Sempre foi impossível demonstrar fenômenos desse tipo com estatísticas sérias mas os estereótipos e os preconceitos não precisam de base científica para circular. Precisam de sentimentos.)

Eu acho que a degradação de um bairro — de uma cidade, de um país — começa quando aqueles que tem muito são incapazes de compreender as necessidades de quem tem muito menos. Rompe-se, aí, um pacto silencioso entre cidadãos diferentes que conseguem manter uma convivência que, mesmo desigual, inclui lealdade e respeito pelas necessidades do outro. Não se cometem abusos, ninguém dá golpe baixo.

A rejeição ao metrô estimula o ressentimento e humilha os que estão por baixo. Também envergonha quem acredita que a igualdade é um dos objetivos nobres do progresso humano. Equivale aquela atitude do empresário que faz o possível para driblar direitos dos empregados e da dona de casa que dá um tratamento desumano a suas funcionárias domésticas.

E é curioso que a presença dos pobres torne-se especialmente incômoda num bairro de pessoas ricas, neste momento.

Todas as estatísticas demonstram uma queda nos principais índices de criminalidade da cidade e uma melhoria na condição de vida dos mais pobres, que tem mais emprego, dedicam-se mais ao estudo, pensam com mais esperança no futuro.

Estranho, não?

Nenhum comentário:

Postar um comentário