quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Diário da China (7) - A China e os dilemas do socialismo periférico (2ª parte)

06/08/2011 do Blog do Emir (http://www.cartamaior.com.br/templates/postMostrar.cfm?blog_id=1&post_id=731)


Terminado o período convulsionado da Revolução Cultural, o cenário do país não poderia ser mais dramático. 200 milhões de desempregados vagavam pelo país, a estrutura estatal estava completamente fragilizada, o sistema educacional desfeito, os centros de pesquisa, desarticulados. Em suma, um país a reconstruir.

Com que experiências poderiam contar os chineses para enfrentar seus problemas? Com uma URSS fossilizada, prestes a entrar no período final da sua existência. Com experiências trágicas como as de Kampuchea e da Albânia, em que as tentativas de construir um igualitarismo na miséria tinham levado a tiranias.

O atraso e a miséria em que se mantinha a China impunha um forte impulso de desenvolvimento econômico. Realizar, à sua maneira, a acumulação socialista primitiva, como havia sido teorizada por Preobrazhensky, para que os países que rompessem com o sistema capitalista, na periferia do sistema, com desenvolvimento econômico baixo, pudessem realizar o salto histórico que possibilitasse a construção do socialismo.

A URSS tinha tratado de realizar esse salto mediante a expropriação maciça dos camponeses – pequenos, médios e grandes proprietários -, com as consequências negativas que apontamos na primeira parte deste texto. A China aprendeu dessas lições e buscou alternativas. A primeira foram os capitais de chineses da diáspora, nas proximidades da própria China, em Hong-Kong, Taiwan, Japão, Coreia do Sul, entre outros.


Esse movimento foi acompanhado pelo que o projeto dirigido por Deng-Xiaping caracterizava como reforma (política), abertura (econômica) e modernização (tecnológica). A primeira buscava institucionalizar estruturas politicas desmanteladas ou diretamente dependentes de lideranças pessoais. A segunda, para permitir o afluxo dos recursos indispensáveis para que a China retomasse o crescimento econômico. A terceira, o concentrado esforço para desenvolver tecnologicamente o país, para permitir a construção de estruturas econômicas próprias.

Foi a respeito deste tema que a frase de Deng tornou-se famosa “Não importa a cor do rato, contanto que ele pegue o rato.” Na contramão mais direta da Revolução Cultural, que acentuava o caráter de classe de tudo, em especial da tecnologia, Deng pregava a utilização das distintas formas de tecnologia, contanto que satisfizessem a necessidades e a objetivos econômicos buscados.

A China entrou em um processo de crescimento econômico sem comparação na história da humanidade, pelo ritmo de crescimento – média de 10% ao ano durante mais de três décadas já – e pelo resgate de 300 milhões de pessoas da miséria. Para isso contou com aqueles capitais mencionados e, posteriormente, com capitais de todo o mundo. Atraídos pelas condições favoráveis de produção – mão de obra barata, qualificada, disciplinada, infra estrutura -, mas também de consumo: o mercado em maior expansão no mundo.

A via escolhida pela China permite colocar várias questões, entre elas, se a dose de capitais privados não é suficientemente grande para impor sua lógica de acumulação privada ao conjunto da economia e, em que medida, o contrapeso da regulação estatal é suficiente? O que não se pode é recusar essa via, sem contrapor alguma outra, viável, que responda às demandas da acumulação socialista primitiva – passo indispensável para que a construção de uma alternativa ao capitalismo na periferia seja possível.

É preciso levar em conta que a via soviética fracassou, que a cubana se esgotou e que os vietnamitas escolhem uma via similar à chinesa. Além de que Cuba se coloca questões semelhantes àquelas colocadas pela China, mesmo que não venham a optar por um caminho similar, embora a direção pareça ser mais ou menos a mesma, embora com uma dosagem muito menor de abertura para o mercado internacional.

Esse conjunto de questões devem ser encaradas, para que o enigma da China possa ser entendido no seu verdadeiro sentido, deixando-se de lado os preconceitos que a imprensa ocidental e alguns enfoques sectários e/ou liberais dentro da própria esquerda colocam

Restam temas como a democratização, a super-exploração dos trabalhadores, as questões do meio ambiente, que merecem, por sua própria importância, uma abordagem particular. Mas, por ora, as questões levantadas neste texto podem servir para colocar reflexões concretas sobre o sentido da China no século XXI.

Postado por Emir Sader às 10:45

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