sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

06/01/2012 - 11h12

'Pregão do crack' atrai cerca de 300 usuários no centro de SP

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LAURA CAPRIGLIONE
MARLENE BERGAMO
DE SÃO PAULO
"Olha a pedra, olha a pedra de 5! Pedra de 5!" Eram 20h30 de ontem, quando, na esquina da avenida Rio Branco com a rua dos Gusmões, centro de São Paulo, abriu-se o feirão de crack, vendido aos gritos, como se fosse produto legal. Cerca de 300 usuários da droga arremataram suas pedras.

A quatro quadras dali, do outro lado da avenida Rio Branco, pelo menos 30 carros de polícia com os giroflex vermelhos ligados anunciavam a ocupação do território da cracolândia pelas forças da ordem. Ruas tranquilas, poucas pessoas nas calçadas. Uma cidade normal?
"Você prefere tratar um câncer localizado? Ou com ele espalhado por todo o corpo? É isso o que estamos fazendo: espalhando o câncer."
A frase expressa o desalento de um dos cerca de 70 policiais ontem na operação. "E enquanto a gente está aqui, eles estão logo ali", emendou o parceiro, um soldado da PM, apontando.
Bastava atravessar a avenida, para constatar que o inferno apenas tinha mudado de endereço.
Um homem lutava para se livrar do cerco de três jovens alucinados que tentavam roubá-lo (levaram-lhe guarda-chuva, blusa e celular). Outro usuário trazia debaixo do braço um cinzeiro, desses de portaria de hotel. Um idoso levava um carrinho de supermercado com uma geladeira de isopor, tênis velhos e uma caixa com embalagens cheias de cola branca. Tudo para vender ou trocar pela droga.

Alessandro Shinoda - 4.jan.12/Folhapress
Prédios que eram usados por dependentes na cracolândia ficam vazios; bairros vizinhos temem migração
Prédios que eram usados por dependentes na cracolândia ficam vazios; bairros vizinhos temem migração
Ontem, terceiro dia do cerco à cracolândia, continuou a estranha dança entre polícia e usuários de crack.
Os homens da Força Tática --armados com fuzis e espingardas de balas de borracha-- tangiam os esquálidos zumbis para fora de seus esconderijos, prédios em ruínas.
Minutos depois de dispersos, os usuários voltavam a se concentrar. Estavam exaustos. O dia todo andando --se sentassem ou deitassem na calçada, já um PM aparecia para tocá-los dali.
Edilaine, 18, apenas um dente na boca, cogitava voltar para a família, no Itaim Paulista, extremo leste da cidade. "A gente não pode fumar, não pode dormir e nem descansar. Está difícil."

Eduardo Anizelli/Folhapress
Missionários da comunidade Missão Belém da Igreja Católica, faz romaria para tentar acolher viciados em SP
Missionários da comunidade Missão Belém da Igreja Católica, faz romaria para tentar acolher viciados em SP
Nem as irmãs e os frades da Missão Belém, católica, que atuam na recuperação de dependentes químicos escaparam. À noite, na praça Princesa Isabel, vizinha dali, três grupos de moradores de rua e de usuários de crack estavam sentados no chão, rezando e cantando com os missionários, quando chegou a PM.
"Mãos na cabeça" e todos foram revistados.
Sobre a tática anunciada pela prefeitura, de "dor e sofrimento" para obrigar os usuários de crack a pedir ajuda para sair da dependência, o padre Julio Lancelotti, 63, vigário episcopal para a população de rua, disse: "Isso é tortura. Dor e sofrimento levam ao desespero. Só a alegria e esperança podem provocar a mudança".

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