sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Colunistas| 11/01/2012 |
DEBATE ABERTO In: http://www.cartamaior.com.br

Os 30 anos do Esperança e mudança (1)

Vale a pena examinar o programa do PMDB de 1982. Com diretrizes desenvolvimentistas, documento propunha a ampliação do mercado interno, a elevação real do salário mínimo, queda dos juros, reforma agrária, reforma tributária progressiva, renegociação da dívida externa, fortalecimento das empresas estatais e política externa soberana.

O mês de setembro próximo marca os 30 anos do lançamento do mais consistente e completo programa partidário desenvolvimentista já elaborado em nosso país. Trata-se do documento "Esperança e mudança", lançado pelo PMDB em 1982.

Suas teses focavam o tema central da transição da ditadura para a democracia: o papel e as atribuições do Estado na sociedade. Com um tom antiliberal e nacionalista, o programa peemedebista foi provavelmente a última grande manifestação do nacional-desenvolvimentismo entre nós. Tais diretrizes, como se sabe, balizaram quase todo nosso processo de industrialização, entre 1930 e 1980, quando o país deixou de ser um imenso produtor agrícola para se tornar a sétima economia do mundo capitalista.

Nenhuma agremiação partidária formulou peça tão abrangente, ampla e clara em suas definições naquele período.

Apesar de suas inegáveis qualidades, o programa peemedebista tem sido minimizado pelos historiadores. Não está na internet. O partido, em sua página na internet, sequer menciona o texto. Nem mesmo o livro A história de um rebelde (1966-2006), de autoria do ex-deputado federal Tarcísio Delgado, uma espécie de levantamento oficial sobre a trajetória da agremiação, cita aquelas formulações. Isso deve ter muito a ver com as transformações do partido. De frente das oposições nos anos 1970-80, o PMDB tornou-se uma federação de interesses fisiológicos regionais.

Crise final da ditadura
O "Esperança e mudança" é um arrazoado de 119 páginas, dividido em quatro capítulos: “A transformação democrática”, “Uma nova estratégia de desenvolvimento social”, “Diretrizes para uma política econômica” e “A questão nacional”. 

Entre outras questões, o documento propunha uma política de ampliação do mercado interno através de políticas de distribuição de renda, a elevação real do salário mínimo, queda dos juros, aumento do crédito, reforma agrária, reforma tributária progressiva, a adoção de uma política industrial planejada, a renegociação da dívida externa, a nacionalização das riquezas do subsolo, o fortalecimento das empresas estatais, uma política externa soberana, o estreitamento dos laços com a América Latina e o reatamento das relações diplomáticas com Cuba.

O texto foi publicado inicialmente pela Revista do PMDB, em seu número 4, de setembro/outubro de 1982. Logo seria aprovado pela comissão executiva nacional.

O cenário em que o programa veio a luz foi o da crise final da ditadura (1964-85). Seu modelo econômico, pautado pela construção de um setor de bens de capital lastreado pelo Estado, pelo capital privado externo e nacional e financiado em boa parte por poupança externa mostrava-se sem sustentação em um quadro de sérias turbulências internacionais. A elevação unilateral dos juros dos EUA, o fim da paridade ouro dólar e a elevação dos preços internacionais do petróleo provocaram uma aguda desaceleração da economia internacional, com reflexos dramáticos no país.

Com isso, o Estado brasileiro perdia sua capacidade de planejamento e intervenção na economia. Os motivos centrais eram seguidos déficits no balanço de pagamentos – problema recorrente nas economias periféricas – o gigantesco endividamento externo, as baixas reservas cambiais e o descontrole inflacionário.

Eleições de governadores
Em 1982, nas primeiras eleições diretas para governos de estado desde 1965, o PMDB conquistaria nove vitórias expressivas: São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Espírito Santo, Amazonas, Pará, Acre, Goiás e Mato Grosso do Sul. O resultado no pleito para prefeitos, vereadores, deputados estaduais, federais e senadores, realizadas concomitantemente, ampliou a expressão nacional da sigla. A frente de oposições se capacitava ali como a principal alternativa de poder no plano nacional. Tal situação obrigou a agremiação a sofisticar seu arsenal programático.

O programa partidário não era apenas uma teorização sobre a luta política em curso, o que já seria muito, mas se materializava como uma bússola para três contendas decisivas nos anos seguintes: a campanha das Diretas Já, as eleições presidenciais indiretas de 1985 e a Assembléia Constituinte, cujos membros seriam escolhidos em 1986.

Os desenvolvimentistas
A elaboração do texto ficou a cargo de um time de peso na vida intelectual do país. Eram, entre outros, Luciano Coutinho, Carlos Lessa, João Manuel Cardoso de Mello, Maria da Conceição Tavares e Luiz Gonzaga Belluzzo. Dizia-se à época que predominava no documento a visão dos “desenvolvimentistas da Unicamp”.

Belluzzo lembra que uma das preocupações do grupo era fazer frente ao problema da carência de financiamentos de longo prazo para a constituição de grandes grupos industriais nacionais. O ideário peemedebista teria de se defrontar com a crise das dívidas externas dos países do terceiro mundo e pelo virtual estancamento de financiamentos estrangeiros. “Avaliávamos ser necessária a constituição de fundos públicos para financiar o desenvolvimento no longo prazo”, lembra o economista. “Nossos grupos empresariais eram frágeis, daí a necessidade que sentíamos de construir grandes empresas com forte indução do Estado, via BNDES”, ressalta ele. Era uma idéia concretizada por alguns países asiáticos, que constituíram, entre os anos 1970 e 1980, poderosos conglomerados para competir internacionalmente, com suporte estatal. “É o caso dos chaebols coreanos”, diz Belluzzo.

O primeiro parágrafo do texto sintetiza a visão partidária sobre a questão central da disputa política e econômica da época:

O Brasil atravessa uma fase crítica: a pior crise econômica e social desde os anos 30 coexiste com uma profunda crise institucional. As estruturas do Estado estão carcomidas pela privatização do interesse público, a política econômica está imobilizada, o governo carece de largueza de visão para enfrentar o estado de desagregação crescente. O mais grave, porém, é a crise política – o divórcio profundo entre a sociedade e o Estado, a ausência de confiança e de representatividade. A dívida externa sufoca. Obriga o governo a curvar-se ante os grandes interesses bancários. Campeia a corrupção, a imprevidência, a desesperança.

Defesa do planejamento
Em seguida, é apresentada a proposta de intervenção estatal no desenvolvimento econômico:

O PMDB propõe o planejamento democrático como forma de estabelecer e garantir que o conjunto de políticas públicas obedeça a prioridades fixadas democraticamente – prioridades que busquem um novo estilo de desenvolvimento social. O Planejamento democrático implica na (sic) elaboração de um Plano, sob controle e sob a influência das instituições democráticas. Plano fixado através de lei, supervisionado eficazmente pelo Congresso com a interação e auxílio das organizações populares.

Linhas à frente, são definidas as principais medidas do planejamento proposto:

Distribuição de renda começa com uma nova política salarial, começa com a elevação da base dos salários, com o aumento real do salário mínimo, com uma reforma que implante uma reforma justa para a previdência social. (...) 

É preciso conter a alta contínua do custo de vida através de uma política antiinflacionária eficaz. (...)

A distribuição de renda e de riqueza nacional também não virá, de maneira progressiva e irreversível, sem grandes reformas sociais e institucionais. Sem uma reforma agrária – que garanta o acesso á terra a quem nela trabalhe – e a reorganização da vida rural, apoiada por múltiplas políticas, não será possível criar uma agricultura eficiente, com população rural livre e próspera. Sem uma ampla reforma tributária não será possível eliminar as enormes injustiças do atual sistema de impostos, que gravam muito pesadamente os assalariados de baixa renda enquanto que as classes privilegiadas pagam parcelas insignificantes de seus rendimentos. Sem uma reforma financeira não será possível democratizar o crédito, com taxas de juros baixas, acessíveis aos consumidores de baixa renda. (...) sem uma reforma fundiária urbana não será possível uma verdadeira política urbana, que regularize a situação de milhões de favelados, e que coíba a especulação imobiliária.


Há muito mais. Continuamos na semana que vem.

Gilberto Maringoni, jornalista e cartunista, é doutor em História pela Universidade de São Paulo (USP) e autor de “A Venezuela que se inventa – poder, petróleo e intriga nos tempos de Chávez” (Editora Fundação Perseu Abramo).

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