O Negro
Por Rosa Montero, para o diário espanhol El País, Tradução de Victor Farinelli
17/05/2005 IN: http://mariafro.com
Estamos num refeitório estudiantil, de
uma universidade alemã. Uma aluna loirinha e indiscutivelmente germânica
retira seu bandejão com o prato do dia e vai se sentar em uma mesa.
Então, descobre que esqueceu de pegar os talheres, e volta para
buscá-los. Ao regressar, descobre com surpresa que um rapaz negro – a
julgar por seu aspecto, vindo provavelmente de algum lugar bem ao sul do
Saara – tinha se sentado no seu lugar, e estava comendo da sua bandeja.
No começo, a garota se sente
desconcertada e agredida, mas logo corrige seu pensamento inicial e
supõe que o africano não está acostumado ao sentido de propriedade
privada e de intimidade do europeu, ou quem sabem não tenha dinheiro
suficiente para comprar sua própria comida, apesar de a bandeja
universitária ser até barata, considerando o elevado custo de vida do
seu rico país.
A garota, portanto, decide se sentar em
frente ao sujeito, sorrindo amistosamente, o que o rapaz negro responde
com outro sorriso pacífico. Em seguida, a alemã começa a comer da comida
que está na bandeja em frente aos dois, tentando demonstrar a maior
naturalidade possível, compartilhando aquela refeição com o colega com
saborosa generosidade e cortesia. Assim, ele vai comendo a salada,
enquanto ela aproveita a sopa, ambos beliscam igualitariamente o mesmo
refogado, até limpar o prato, até que ele escolhe o iogurte de
sobremesa, enquanto ela prefere a fruta. Tudo isso acompanhado de
diversas expressões educadas, tímidas por parte do rapaz, suavemente
condescendente e compreensivas por parte dela.
Terminado o almoço, a aluna alemã se
levanta para ir buscar um café. E então descobre, na mesa que estava
logo atrás dela, sua própria jaqueta colocada sobre o braço de uma
cadeira, e em frente a esta, uma bandeja de comida intacta.
Dedico esta história deliciosa, que além
do mais é verídica, a todos aqueles espanhóis (nota do tradutor: e se
poderia extender também aos brasileiros) que no fundo nutrem um enorme
receio pelos imigrantes e os consideram indivíduos inferiores. A todas
essas pessoas que, ainda que bem intencionadas, observam o mundo com
condescendência epaternalismo. Será melhor se nos livramos dos prejuízos, ou corremos o risco de fazer o mesmo ridículo que a pobre alemã, que pensava ser o cúmulo da civilização, enquanto o africano, ele sim imensamente educado, a deixou comer de sua bandeja, talvez pensando: “acho que esses europeus estão mesmo malucos
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