terça-feira, 10 de janeiro de 2012


Luiz Wenwck Vianna

Raros analistas, transcorrido apenas um ano de observação, afirmam de modo tão categórico que a presidente Dilma Rousseff conduz um governo essencialmente diferente ao de seu antecessor Luiz Inácio Lula da Silva. Para o sociólogo Luiz Werneck Vianna, de 73 anos, professor da PUC-Rio, Dilma realiza mudanças profundas que abrem novos caminhos na prometida marcha de continuidade à era Lula. Dilma separa-se do padrinho nos direitos humanos, na relação com os sindicatos - "a armação que Lula concebeu e fez funcionar está destruída" - e será cada vez mais impelida à infidelidade. Montará um governo com cara própria e o tocará sob a égide da racionalidade; e não para atender aos caprichos dos amigos e aliados. Dilma, afirma o pesquisador, já está introduzindo uma guinada no presidencialismo de coalizão brasileiro, com ministérios sem "porteira fechada". A tendência, prevê, é de uma coalizão mais programática.

A polêmina entrevista do sociólogo Luiz Werneck Vianna, dada ao Valor Econômico provoca reações contra seu entendimento do governo Dilma.
Veja, a seguir a entrevista, e a contestação de Luis Nassif.
Esse é um debate que nos faz refetir e entender melhor a história recente do Brasil.

Dilma muda o presidencialismo de coalizão


Por raquel_
Do Valor Econômico
"Dilma será constrangida à infidelidade"
Por Cristian Klein | Do Rio

A "estatolatria" de Lula, que significou uma volta ao varguismo e ao regime militar, dá espaço a uma presidente sintonizada com a agenda internacional de uma nova época em emergência, onde o Estado-nação perde força. Dilma é, e será, diferente de Lula, em primeiro lugar, por chegar ao poder em circunstâncias distintas - num mundo em mutação e em crise financeira - e, em segundo lugar, por estar dotada, com sua formação universitária em economia, da capacidade de calcular os riscos por ela mesma.
p>"É uma inflexão importante. Dilma está introduzindo uma mudança de fundo no presidencialismo de coalizão" Ex-militante do Partidão, o PCB, quando foi aluno de curso de formação de quadros comunistas internacionais na então União Soviética, em 1974, Luiz Werneck Vianna mantém a posição em causas consideradas polêmicas. Defende as férias de 60 dias dos magistrados e critica o acerto de contas com o regime autoritário, nos moldes realizados pelos vizinhos sul-americanos: "Os direitos humanos dizem respeito aos vivos", afirma o sociólogo, que considera o empresário Eike Batista e a senadora Kátia Abreu (PSD-TO) símbolos do capitalismo brasileiro em expansão. A seguir, os principais trechos da entrevista concedida por Werneck Vianna ao Valor:
Valor: Qual é a sua avaliação do primeiro ano de Dilma Rousseff?
Luiz Werneck Vianna: Mudou em relação ao governo anterior, em que pese a própria Dilma.
Valor: Como assim?
Werneck Vianna: Independentemente de querer ser fiel ao patrono, ela vai ser constrangida à infidelidade. Já está montando um governo com cara própria. Caíram seis ministros, por denúncias de corrupção, sendo que o sétimo, o Nelson Jobim [ex-ministro da Defesa], era absolutamente chave. Foi uma perda imensa. Os outros significavam bem essa política do presidencialismo de coalizão do Lula. E essa é uma inflexão importante. A Dilma está introduzindo uma mudança de fundo na arquitetura do presidencialismo de coalizão no Brasil: [o ministério] não vai ser de porteira fechada. Tende a ser uma coalizão programática, o que nunca ocorreu no Lula. Era "Vem cá meu bem, que para você tem" e com isso você pode atender seu partido, seus amigos. A primeira implicação é uma mudança no sentido de partidos que parecem mais estruturados do que nossa filosofia admite. Para que o presidencialismo de coalizão programático funcione é preciso que os partidos estejam mais estruturados do que estão.
Valor: Quais são as evidências?
Werneck Vianna: Ela está conversando mais com os secretários-executivos sobre a realização de programas de governo. Na reforma ministerial, isso vai aparecer de forma mais definida.
Valor: A reforma vai ser importante para dar a cara dela.
Werneck Vianna: Vai definir qual será a natureza do presidencialismo de coalizão. Porque não há sociedade que tolere, com esse sistema de freios e contrapesos, e porque não há recursos para esses gastos perdulários. Tende a enxugar, tende a racionalizar. Essa é uma tendência do governo Dilma: racionalização.
Valor: O desafio é encontrar uma fórmula que não desagrade tanto a classe política, como a contenção de emendas parlamentares.
Werneck Vianna: E nem [desagrade] embaixo. Dependendo de como ela manobre, podemos ter turbulências. Politicamente, ela não tem ninguém relevante do lado dela. Perdeu o [Antonio] Palocci [ex-ministro da Casa Civil] e o Nelson Jobim. São quadros que ela não tem como recuperar.
Valor: O senhor critica uma certa "estatolatria" que haveria no Brasil. Dilma mudou em relação a Lula?
Werneck Vianna: Com ela, tende a diminuir. Se eu estiver certo, nós vamos ver nos próximos meses um progressivo distanciamento dos sindicatos e dos movimentos sociais em relação ao governo. O MST [Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra] já começou.
Valor: Isso é bom?
Werneck Vianna: Dá mais autonomia para a sociedade.
"Eike Batista e Kátia Abreu são os novos personagens do capitalismo brasileiro. Vigorosos, sem ostentação"
Valor: Por que Dilma abriria mão do arranjo político que foi tão bem sucedido com Lula?
Werneck Vianna: Porque ela está vivendo um outro mundo, onde terá que fechar o cofre. E porque nós estamos vivendo uma mudança de época. O mundo mudou. Sabemos do que estamos nos afastando, mas ainda não pressentimos para onde vamos.
Valor: De que nos afastamos?
Werneck Vianna: Do que se poderia caracterizar, como no diagnóstico da [filósofa] Nancy Fraser, de um paradigma keynesiano-westfaliano. Estamos indo para um mundo onde temas centrais da vida moderna são tratados por organismos que exercem jurisdição internacional, por exemplo os que mexem com economia, meio ambiente e terrorismo. Exemplo forte é o da Justiça internacional, com o Tribunal Penal, acima dos Estados nacionais. É uma época de inovação, de criação.
Valor: O Brasil, com o recente fortalecimento do peso do Estado, não seria um contraponto à tendência?
Werneck Vianna: Esse deslizamento está acontecendo numa escala mundial. O Estado-nação perde força. E as ideologias, comportamentos e atitudes que vieram com ele vêm se esmaecendo. Mas no segundo mandato de Lula, houve uma mirada no retrovisor. Foi um momento de forte adesão ao paradigma keynesiano-westfaliano, no momento em que esse paradigma no mundo perde força.
Valor: Como isso se deu?
Werneck Vianna: Houve um retorno a um repertório dos anos 30, do Estado Novo, do regime militar, do "Brasil país grande potência". O tema [westfaliano] da grandeza nacional foi um retorno quanto à política do regime militar, especialmente a do governo Geisel. Esse eixo Getulio-JK-regime militar se projetou inteiro no segundo mandato de Lula. Isso envolvendo políticas e valores do nacional-desenvolvimentismo. [O economista] Celso Furtado [1920-2004] foi guindado a uma figura ícone do governo. Agora mesmo, um navio importante recebeu o nome dele. Na política externa, teve acompanhamento, especialmente, nas relações com o mundo árabe, América Latina... Para não falar da forte "estatalização" do movimento sindical.
Valor: A relação com os sindicatos mudou muito?
Werneck Vianna: A Dilma herda esse eixo, mas só que o mundo deslizou, vem deslizando. A armação que Lula concebeu e fez funcionar está destruída. Este sindicalismo não tem mais o velho lugar, quando sentava com o presidente da República e deliberava como ia ser o salário mínimo futuro - tanto de produtividade, tanto de inflação - e que virou lei agora. Isso foi feito com Lula e eles. Não tem mais Dilma e eles.
Valor: Ter os sindicatos por perto não seria uma medida mais racional para Dilma?
Werneck Vianna: Mas a conta também é alta. Passa pela Previdência, pelo salário mínimo, ajuste fiscal, custo Brasil, não dá mais. Essa crise está limpando a névoa, está obrigando a que o argumento econômico seja mais respeitado. Há exemplos de fora: Itália, Espanha. As medidas dela não terão como objeto os que estão em cima, as elites econômicas, mas quem está embaixo. Você continua a viver num condomínio entre governo e elites econômicas do país. Sempre disse isso.
Valor: O combate à pobreza e a ascensão de uma nova classe média não contradizem essa ideia?
Werneck Vianna: Está sendo importante. Mas são processos que requerem muita maturação.
Valor: Que outras diferenças marcam o estilo Dilma?
Werneck Vianna: Há uma diferença irremovível: ela tem formação universitária e numa área determinada, em economia. Alguma coisa de economia ela entende. O Lula, não. Delegava. A crise chega com a presidente no olho do furacão, sabendo ler, interpretar e calcular os riscos por ela mesma.
Valor: O país está em boas mãos?
Werneck Vianna: Não estou avaliando se é melhor ou pior. Só sei que quando os sindicatos chegam, com as suas pretensões, ela tem objeções a fazer, como fez na época da votação do salário mínimo. "Isso eu não posso dar". Ela sabe que não pode dar. E em outras coisas, como Previdência, saúde, ela é obrigada a se adaptar a uma agenda mais racional-legal do que Lula, por razões econômicas e por razões de fortalecimento de um sistema de freios e contrapesos que foi se tornando cada vez mais importante, além da mídia.
Valor: Nestes termos weberianos, Dilma busca legitimar seu poder no mundo da técnica enquanto a fonte de Lula era o carisma?
Werneck Vianna: Pode-se dizer. Mas, independentemente desse cálculo, há constrangimentos que fazem com que ela seja orientada para esta direção, e não outra. Não tem como não aderir a este movimento. A cognição política pode ser a mesma, o que muda é a circunstância, é a "fortuna", para ficar na imagem cediça do Maquiavel. E, aí, a "virtù" tem que mudar também. O tema dos direitos humanos ganhou uma projeção no governo Dilma, que não teve no governo Lula. O movimento sindical sofreu - a meu ver foi uma ferida funda - um abalo, com a saída desse ministro [Carlos Lupi, do PDT], que vinha do atraso sindical.
Valor: Qual é a consequência?
Werneck Vianna: O movimento sindical vai conhecer a divisão real entre as centrais, por exemplo, entre CUT, Força...
Valor: Mais competitividade?
Werneck Vianna: Sim, e também mais independência em relação ao governo. Com o Lupi, houve a ampliação da vida sindical em torno dos projetos governamentais. O sindicalismo foi se expandindo, com todos os sindicatos se arregimentando ao governo.
Valor: Fora o acesso aos recursos do imposto sindical.
Werneck Vianna: E Lupi dando carta sindical para todo mundo e tudo isso aparelhado com ONGs. Mas, independentemente disso, o Lupi não caiu por causa da Dilma.
Valor: Por que ele caiu?
Werneck Vianna: Porque as instituições democráticas se reforçaram no país.
Valor: A Comissão de Ética da Presidência da República ganhou um peso que não tinha.
Werneck Vianna: A Comissão de Ética era para ter um outro papel, mais dócil. E não teve.
Valor: A recomendação de saída do ministro deixou a presidente numa saia-justa.
Werneck Vianna: Para ela, destituir a Comissão seria um desastre, nem poderia fazer. A Comissão teve uma importância inesperada. E mais: deixou uma raiz, um sedimento, deixou, digamos, uma jurisprudência.
Valor: Foi o nascimento de uma nova instituição de controle?
Werneck Vianna: Isso ao lado da Controladoria Geral da União e desses mecanismos todos que foram criados pela Constituinte ou depois dela, para que a sociedade pudesse fiscalizar o Executivo. Era tudo nominal, no papel. A esquerda em 1988 - consideradas as forças que mais tarde fundaram o PSDB e o PT, que já existia - não tinha a menor ideia do papel que essa institucionalidade iria ter. A presença dessas instituições e do Judiciário na vida política brasileira não foi algo que surgisse daquela intelligentsia e daquela esquerda. Isso não estava na cabeça do Fernando Henrique [Cardoso, ex-presidente], não estava na do Lula, do Ulysses [Guimarães, ex-presidente da Câmara dos Deputados e da Assembleia Nacional Constituinte].
Valor: Estava em quem?
Werneck Vianna: Parece que foi uma associação entre juristas e [o ex-governador de São Paulo] Mário Covas, especialmente o José Afonso da Silva [constitucionalista, ex-secretário de Segurança Pública de 1995 a 1999 e principal assessor jurídico de Covas quando ele era senador, na Constituinte].
Valor: Como deve ser a sucessão no Ministério do Trabalho?
Werneck Vianna: É difícil. Porque também não dá para entregar para um petista, que vem com a agenda prontinha lá daquele fórum de 2004 [o Fórum Nacional do Trabalho], com uma carga doutrinária sobre o assunto e a defesa da pluralidade sindical. Não pode entregar a um [Ricardo] Berzoini [ex-ministro do Trabalho, do PT, entre 2004 e 2005].
Valor: O PT no Ministério do Trabalho é um complicador?
Werneck Vianna: Acho impossível [a nomeação de um petista]. Ele é obrigado a fazer reforma. O Berzoini tentou. Fez uma emenda constitucional.
Valor: O senhor costuma mencionar em suas análises o processo de expansão do capitalismo no país. Quem o lidera e para onde ele vai?
Werneck Vianna: Vai sem projeto, politicamente desarmado. Mas tem sua energia, é voraz. Esse Eike Batista [presidente do grupo EBX e oitavo homem mais rico do mundo] pode ser considerado uma figura emblemática. Tem essa ética, com uma vida de monge, não é um homem de consumo conspícuo. Vive para servir à riqueza, à acumulação, como se fosse um herói calvinista. Ele é bem representativo. E os homens do agronegócio também. A [senadora] Kátia Abreu [do PSD de Tocantins e presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA)] é outra. São os novos personagens do capitalismo brasileiro. Vigorosos, sem fraquezas, sem ostentação. Os Matarazzo [de São Paulo] tinham uma vida mais aristocrática.
Valor: Seu trabalhos sobre judicialização da política são referência. Como o senhor avalia as críticas às tentativas de se podar o Conselho Nacional de Justiça (CNJ)?
Werneck Vianna: Isso vai na esteira do mesmo processo de intensificação do mecanismo de controle [das instituições brasileiras].
Valor: O CNJ é importante?
Werneck Vianna: Freios e contrapesos fazem parte de uma dinâmica que tem funcionado cada vez mais.
Valor: Prerrogativas dos magistrados, como férias de 60 dias, são justificáveis?
Werneck Vianna: É uma atividade terrível. Há determinadas profissões que também têm férias mais extensas, escafandristas, esse tipo de coisa. A sociedade é que tem que estabelecer isso.
Valor: A Comissão da Verdade não chega tardiamente?
Werneck Vianna: A minha posição não acompanha as posições majoritárias aí na intelligentsia. Acho que a gente deve recuperar a história, mas o passado passou. Página virada. Cada país fez, em circunstâncias diferentes. Você, à esta altura, rasgar a Lei da Anistia, seria jogar o país numa crise, não sei para quê.
Valor: E para conhecer as circunstâncias das mortes, sem punição, como aprovado?
Werneck Vianna: Isso deve existir, com estes limites.
Valor: Os militares recorrem sempre à acusação de revanchismo.
Werneck Vianna: Mas, vem cá, as grandes lideranças que nos trouxeram à democracia tiveram muito clara essa questão: anistia real, geral e irrestrita. As forças derrotadas, ou seja, a luta armada, querem reabrir esta questão? Não foram elas que nos trouxeram à democracia. Nos momentos capitais, ela não estava à frente, na luta eleitoral, na luta política, na Constituinte. Era um outro projeto.
Valor: Por isso ela é menos legítima para reivindicar investigações sobre o período?
Werneck Vianna: É politicamente anacrônica. O país foi para frente. Tem uma ex-prisioneira política na Presidência da República. Altos dignitários da administração têm a mesma origem que ela.
Valor: Os direitos humanos não deveriam estar além do conflito entre projetos à esquerda ou à direita?
Werneck Vianna: Os direitos humanos dizem respeito aos vivos. Aos mortos, o velho direito de serem enterrados como Antígona [protagonista da tragédia grega de Sófocles] quis enterrar o irmão em solo pátrio. É o que esta Comissão da Verdade está fazendo.

Sobre a entrevista de Luiz Werneck Vianna


Autor:
Luis Nassif

Respeito muito a história e a competência do professor Luiz Werneck Vianna. Mas creio que, em sua entrevista ao Valor, comete alguns erros capitais de análise e de informação (clique aqui para ler a entrevista).
Sobre a racionalização do governo
Werneck considera uma ruptura no presidencialismo de coalizão, pelo fato dos ministros serem mais cobrados e Dilma passar a conversar mais com os secretários executivos, em contraposição ao estilo de Lula, de conceder tudo de porteira fechada aos partidos aliados.
Enxerga ruptura onde ocorre consolidação.
O primeiro governo Dilma é consolidação do segundo governo Lula, no qual a Casa Civil, com Dilma, teve papel central. O que Werneck enxerga agora está sendo praticado de forma cada vez mais intensa há quatro anos, pelo menos.
O governo Lula ganha organicidade quando as ações dispersas dos Ministérios são consolidadas e colocadas sob a batuta da Casa Civil - de Dilma. A única diferença é que a gerente virou presidente e que se está em um processo dinâmico de aprimoramento.
Era assim que se monitoravam os ministérios aliados. As concessões feitas por Lula - a aliados, ao mercado e aos sindicatos e movimentos sociais - não podem ser analisadas independentemente do momento em que ocorreram. Havia uma luta titânica pela consolidação do novo modelo, contra uma oposição implacável da mídia e dos partidos de oposição e depois do desastre do "mensalão". Agora se tem um governo consolidado, com oposição quase inexistente.
Julgar que as concessões anteriores se deviam à mão aberta de Lula e o rigor atual ao melhor conhecimento de economia de Dilma, é de um simplismo não à altura do analista sofisticado que Werneck é. Se ampliasse a análise para as circunstâncias de cada período, elas ficariam mais completas.
Quanto ao fato de Dilma não ter "figuras relevantes" ao seu lado, conviria ao professor ler menos os personagens criados pela mídia. Guido Mantega tornou-se interlocutor de peso junto à economia; Tombini é um presidente de Banco Central destinado a fazer história; Mercadante e Haddad tem ascendência ampla sobre os setores sob sua responsabilidade, a área política está pacificada.
O professor personaliza muito as situações, pensa muito nas figuras salvadoras e passa ao largo das circunstâncias.
Sobre o papel do Estado
O professor levanta um tema relevante, que é o gradativo distanciamento de partidos políticos e movimentos sociais, permitindo à sociedade civil respirar mais e ter vida própria. A Maria Inês Nassif já escreveu artigos fundamentais sobre esse processo.
Mas demonstra não ter muito conhecimento sobre o atual estágio do capitalismo brasileiro e mundial.
O primeiro engano é considerar superado, agora, o tal paradigma keynesiano-westfaliano. De onde tirou essa certeza? Esse ciclo está apenas se reiniciando. Está-se no fim de um ciclo de financeirização e no início de um novo ciclo de reforço do papel do Estado nacional. É nítido esse movimento. As instituições multilaterais estão em crise profunda, sem conseguir articular comércio, movimentos de capitais. Há um conflito latente entre o poder remanescente da banca e as crises populares nos países afetados.
O professor desenha um mundo que esteve em voga nas últimas décadas, não agora, e cujo ciclo se esgotou.
Dizer que Dilma será diferente por encontrar um mundo em crise é simplesmente ignorar que a consagração do governo Lula se deu justamente no bojo da crise de 2008 - tendo Dilma como co-autora. Lula cresceu na crise. A aposta de Dilma é crescer na crise. Cadê as diferenças?
Sobre os capitalistas brasileiros
Há uma ampla desinformação sobre os novos capitalistas brasileiros.
Kátia Abreu é a representante acabada do empresariado agrário mais conservador, é herdeira direta dos velhos capitães da Confederação Nacional da Agricultura. O agronegócio tem como representantes maiores os grandes plantadores de soja e algodão de Goiás, os usineiros de São Paulo, pessoas que se internacionalizaram, conheceram o mercado de capitais, acordaram para os grandes problemas de infraestrutura. Nada a ver com a velha CNA, representada por Katia.
Do mesmo modo, não tem cabimento enxergar em Eike Baptista o de vida regrada, calvinista. De onde tirou isso? Eike tem inúmeras virtudes, mas a moderação e a discrição não estão entre elas.
Ora, o primeiro empresário da nova era, Jorge Paulo Leman, no antigo Banco Garantia, tinha como valores não ter vida faustosa, não comprar carros valiosos, acumular, acumular e acumular. Eike é o oposto.
Formação universitária
É ridículo o argumento de que, por ter formação universitária, Dilma tem mais condições de interpretar os ventos da economia. Lula sempre teve o pulso da economia entendendo os problemas da inflação, os desequilíbrios econômicos no pulso da indústria - o setor automobilístico do ABC.
O professor se permite um preconceito tolo. Se fosse mais atento às ações de governo veria que a decisão de enfrentar a crise jogando no ataque foi de Lula, contrariando completamente o establshment econômico ao qual se curvou FHC nas suas sucessivas crises. Foi o movimento que consagrou Lula mundialmente, tornou-se "o cara". E vem o professor falar de formação universitaria como pré-condição para entender o futuro.
Os dois maiores visionários brasileiros do pós-ditadura - Collor e Lula - estavam longe de serem intelectuais. O acadêmico FHC, com sua formação, limitou-se a surfar nas novas ondas, sem um pingo de visão de futuro. Não conseguiu enxergar sequer o novo mercado de massas que estava prestes a explodir.

Nenhum comentário:

Postar um comentário