Dilma aos generais da reserva: a comandante sou eu!
O
artigo 84 da Constituição Federal é claro. Ele arrolada entre os
atributos que competem privativamente ao chefe da Nação a função de
“exercer o comando supremo das Forças Armadas”.
Não
há dúvidas a respeito. Nem pode haver. E foi o que a presidente Dilma
Rousseff deixou claro, novamente, ao enquadrar oficiais generais da
reserva, presidentes dos clubes Naval, da Aeronáutica e Militar, que
quebraram a disciplina regimental ao criticar, em nota conjunta, a
presidente Dilma Rousseff, duas ministras do governo e o Partido dos
Trabalhadores que, na comemoração dos 32 anos de sua fundação, voltou à
carga contra o regime dos generais.
O
motivo é o de sempre; o apego dogmático à lei de Anistia de 1979,
adotada pela própria ditadura de 1964 e que protege agentes da repressão
que cometeram perseguição, sequestro, tortura e assassinato políticos
durante aquele regime discricionário.
O
pretexto, desta vez, foram declarações da ministra da Secretaria de
Direitos Humanos, Maria do Rosário, apoiando processos judiciais contra
agentes da repressão da ditadura. E da nova ministra da Secretaria de
Políticas para as Mulheres, Eleonora Menicucci, que, em seu discurso de
posse, fez críticas veementes contra a ditadura e foi aplaudida pela
presidente Dilma Rousseff.
São
duas mulheres que têm a autoridade de quem sofreu na pele os abusos da
repressão da ditatura. Não tem sentido, para os chefes militares da
reserva saudosos da ditadura, argumentar perante elas para atenuar
aquelas violências – estavam em lados opostos; elas – como os milhares
de perseguidos políticos – na situação de vítimas; eles, ao lado dos
algozes.
Soou mal quando, na nota
conjunta que divulgaram em 16 de fevereiro, aqueles chefes militares
manifestaram a pretensão de neutralidade da presidente Dilma Rousseff,
ou de ministros de seu governo, contra aqueles crimes. É inadmissível a
crítica que fizeram à presidente da República por ter aplaudido as
manifestações da ministra Menicucci, e a cobrança clara, feita por eles,
de que Dilma a condenasse ou desautorizasse.
A
questão de fundo é a proximidade da entrada em funcionamento da
Comissão da Verdade, cujos membros serão nomeados até março para
examinar aquele passado tenebroso com olhar crítico. Aqueles chefes
militares reivindicam o direito de ter presença e voz nessa Comissão e
temem o que entendem como uma “unilateralidade” das apurações.
Dilma
manifestou sua contrariedade com a atitude dos generais da reserva. E,
de novo, fez valer sua voz de comandante em chefe das Forças Armadas,
como já havia feito em agosto do ano passado, quando sua autoridade de
comandante em chefe das Forças Armadas foi desafiada pelo então ministro
da Defesa, Nelson Jobim, que acabou demitido.
O
caminho seguido pela resposta da presidente foi o da hierarquia, cujo
topo é ocupado por ela. Dilma convocou o ministro da Defesa, Celso
Amorim, que chamou os comandantes de cada uma das Forças, cabendo a eles
executarem o enquadramento dos generais indisciplinados, que foram
constrangidos a divulgar outra nota, no dia 23, desautorizando a
anterior. O comportamento da presidente não podia ser outro, até porque
ela deve cumprir a Constituição em todos os seus quesitos.
O
almirante Veiga Cabral, presidente do Clube Naval, ainda esperneou,
dizendo que os militares não podem ficar calados ao serem “desafiados de
um lado e engolirmos sapo de outro”.
Ele
está errado. As críticas à ditadura militar e a exigência pública de
esclarecimento dos crimes cometidos pela repressão não são desafios às
Forças Armadas, mas expressam o clamor pela apuração da ação de agentes
do Estado que cometeram aqueles crimes hediondos e imprescritíveis. Que
precisam ser apurados e punidos, em nome da democracia e da civilização.
Eles sim são “sapos” enfiados goela abaixo da Nação e que não podem ser
aceitos e nem se pode calar sobre eles.
A
comandante em chefe sou eu: este foi o recado de Dilma para as viúvas
da ditadura. A “neutralidade” reivindicada por eles é uma prerrogativa
de casta inaceitável na democracia, regime no qual todos (chefes
militares ou não) devem estar subordinados à Constituição. A apuração
dos crimes cometidos durante a ditadura militar tem este sentido: o do
respeito à Constituição. Respeito que não foi partilhado pelos golpistas
de 1964, pelos generais e seus paus mandados que exerceram o poder e
cometeram barbaridades condenadas, e que deixam saudades em setores
conservadores cuja visão hierárquica da sociedade fundamenta a pretensão
de terem direitos especiais e estarem a salvo da lei. Não estão.
Editorial do VERMELHO
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