segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Um outro mundo em construção

Os mais conservadores ficaram de orelhas em pé com o discurso da presidenta, Dilma Rousseff, no Fórum Social Temático, em Porto Alegre. Acostumados à imagem de “técnica durona” que a grande mídia alimenta para defini-la, foram pegos de surpresa por uma análise política afiada sobre as causas e consequências da crise econômica mundial.
Por José Dirceu
Sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012
Dilma não poupou críticas ao pensamento neoliberal, apontou a vitória do ex-presidente Lula na mudança de rumo da economia e reafirmou que só com um Estado forte e ativo na defesa dos interesses nacionais é possível um país não naufragar abraçado ao mercado financeiro.

Nada disso é novidade, pois esse sempre foi o ponto de vista de nossa presidenta, do Partido dos Trabalhadores e das forças progressistas que participam o Fórum Social Mundial.

Mas a mensagem se torna cada vez mais urgente ao passo em que os países desenvolvidos se provam incapazes de domar o monstro que criaram.

A distinção mais importante colocada por Dilma talvez seja a de que, hoje, a economia brasileira se desenvolve sobre um lastro firme de inclusão social e fortalecimento do setor produtivo, ao contrário do que ocorreu quando nosso crescimento apenas surfava em conjunturas internacionais, sem consistência.

Foi assim ao longo do “milagre econômico” da Ditadura Militar, e também em curtos períodos nos anos 1990, entre uma crise e outra.

Se hoje até mesmo a diretora-geral do FMI, Christine Lagarde, defende que o Estado tem de ser o grande agente do desenvolvimento com inclusão social, é graças à experiência bem-sucedida dos países emergentes, em especial o Brasil.

E, também, aos movimentos que integram o Fórum Social Mundial desde sua primeira edição, que sempre defenderam uma alternativa ao modelo de capitalismo inconsequente ditado pelas potências.

Portanto, toda atenção para a Cúpula dos Povos, reunião paralela articulada no Fórum Social Temático e que ocorrerá nos mesmos dias que a Rio+20, conferência que o Brasil sediará em junho deste ano. A discussão sobre o meio ambiente é essencial para o futuro do nosso planeta, mas é responsabilidade de nossos líderes não permitir que o debate resulte apenas em um aglomerado de sugestões sobre como renovar o capitalismo com o rótulo de “sustentável”.

Sustentabilidade, de fato, não significa apenas preservar o meio ambiente, mas preservar as culturas locais, garantir o respeito aos direitos sociais, ter soberania. Ou seja, investir na igualdade social, na derrubada do preconceito de todas as naturezas e no combate ao imperialismo político e econômico.

Afinal, uma sociedade baseada na opressão e na exclusão tem futuro tão parco quanto uma sociedade que devora seus recursos naturais sem critérios e planejamento.

Infelizmente, até o momento, sobra discurso e faltam atitudes. A crise econômica que chega ao seu quarto ano nos EUA e na Europa tem servido de desculpa para implantar, de forma até violenta, com a polícia na rua, as medidas mais atrasadas da cartilha neoliberal.

Uma imposição que ganhou contornos escandalosos no caso da Grécia e na Itália, com inclusive troca de governo por pressão alemã e francesa.

Mesmo no Brasil, que vive bom cenário socioeconômico ininterrupto há uma década, certos governantes parecem ter sido contaminados pelos ares de repressão que sopram do Hemisfério Norte, colocando as forças policiais para agir como algoz dos excluídos, em nome do interesse econômico de uma elite insensível aos Direitos Humanos.

De forma que o mundo, hoje, está dividido entre concepções bastante distintas do que é, de fato, a democracia.

Nas últimas décadas, a América Latina consolidou seu processo de reabertura democrática, colocando ponto final nas ditaduras que dominaram a cena política na região. Recentemente, o bom exemplo veio dos povos árabes, que vêm derrubando um a um os regimes autoritários e rediscutindo a organização de suas sociedades.

Esses “ventos” seguem a rota do Fórum Social Mundial para dizer que um outro mundo não é apenas possível, mas necessário. E que a construção desse novo mundo passa, sempre, pela via da apropriação da política pelo povo.

*José Dirceu é ex-ministro.

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