domingo, 17 de junho de 2012

Corrupção: o mais hediondo dos crimes

*Chico Leite

Recentemente, a comissão de juristas que trabalha na elaboração do novo Código Penal decidiu incluir delitos como o terrorismo e o racismo no rol dos crimes hediondos. Louvável avanço para a nossa democracia.

Faltou, porém, tipificar como hedionda uma prática que, em grande parte, é responsável pela desigualdade social do país e representa entrave para o desenvolvimento nacional. Refiro-me à corrupção, que, por seis votos a quatro, não foi incluída no rol dos crimes hediondos. Com o devido respeito que merecem os ilustres juristas do colegiado, ouso discordar da decisão.

Ninguém nega a gravidade e a nocividade dos delitos cuja inclusão foi efetivamente proposta. Todavia, a corrupção pode ter consequências ainda mais danosas ao país. Como os demais crimes praticados contra o patrimônio público, a corrupção é um atentado contra o cidadão. Isso porque não há dinheiro do Estado, mas sim verbas públicas provenientes do pagamento de tributos pelos cidadãos, as quais devem ser revertidas em serviços públicos de qualidade para o povo brasileiro. A nocividade da corrupção está no seu caráter insidioso, obscuro e perene. Não exibe o sangue da vítima como no homicídio, mas se revela no sofrimento do doente na fila do hospital público; não mostra a vítima violentada pelo estuprador, mas expõe a mãe que vê o futuro dos filhos minguar por falta de condições de estudos e, por essa razão, de competir no mercado de trabalho.

Embora leve a consequências que podem não ser detectáveis à primeira vista, a corrupção certamente é a causa da miséria de milhões de cidadãos por conta dos valores desviados, que deveriam ser aplicados na proteção da qualidade de vida dos que contribuem com seu dinheiro para o progresso do país e, com maior razão, daqueles que, pela situação social desfavorável, nem têm como contribuir. Sem exageros, é preciso dizer com clareza: a corrupção prejudica até mesmo quem ainda nem nasceu. Verdadeiro crime contra a humanidade.

O Código Penal ainda será discutido antes de sua votação e, portanto, nosso Congresso Nacional poderá incluir a corrupção no rol de crimes hediondos. Mas o debate não pode se restringir à esfera jurídica. O Brasil precisa vencer a luta contra a cultura da corrupção. Precisamos enfrentar com franqueza nossos problemas históricos, culturais e sociológicos que levaram à banalização da corrupção em todos os atos – do “inocente” pedido ao amigo servidor para agilizar um processo ao desvio de milhões dos cofres públicos por gestores criminosos. Estamos todos cansados de ver figuras notoriamente corruptas circulando nas colunas sociais. Alguns renunciam, são cassados e até, eventualmente, devolvem parte do que desviaram, mas não conhecemos muitos casos de políticos corruptos pagando por seus delitos na cadeia. Não basta lutar contra a corrupção genericamente. Precisamos refletir, pôr em questão nossa própria cultura, levar o debate para as salas de aula, para as ruas, para dentro de casa.

Nesse sentido, viria em boa hora a inclusão da corrupção no rol de crimes hediondos. O regime penal e processual penal mais rigoroso certamente pode constituir mais um importante instrumento legal na luta travada pela sociedade para prevenir e combater as ações dos corruptos.


*Procurador de Justiça (licenciado), professor de Direito Penal e Deputado Distrital pelo PT

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