sexta-feira, 1 de julho de 2011

Voltando à malandragem

por Miguel do Rosário do blog "Óleo do Diabo" (http://oleododiabo.blogspot.com)

Pronto, já paguei minha cota de sacrifício ao deus do trabalho. Foram três semanas cruéis, trabalhando dia e noite para dar conta do prazo de entrega. Agora, como na canção do Simonal, voltemos à malandragem blogosférica! Isso aqui é trabalho duro também, mas é tão divertido que eu até esqueço do esforço.

Nesses dias de labuta insana, não parei de pensar nos temas queridos ao blog, sobretudo quando fazia uma caminhada pelas redondezas. Sem contar que eu participei do II Encontro Nacional dos Blogueiros Progressistas (II Blogprog) e não escrevi nada. De forma que tenho vários assuntos atravessados na goela.

Rola ainda uma rebordosa do caso Palocci, e os desdobramentos que perduram até hoje. A recente entrevista com o ex-governador Olívio Dutra, em matéria da Carta Capital prenhe de elogios à simplicidade franciscana, gerou uma nova rodada de polêmicas. Trata-se de um estímulo saudável à austeridade ou melancólico moralismo descalço? Onde termina o que poderíamos chamar uma viril convocação à uma moral socialista e começa o velho pobrismo eunuco pequeno-burguês?

A relação da blogosfera progressista com o novo governo permanece dominada por uma espécie de angústia. Durante o II Blogprog, tornou-se claro um certo mal estar em relação a seu papel de "defensora" e ao mesmo tempo algumas divisões em relação ao tema. Afinal, o mais difícil não é livrar-se da pecha de chapa branca, e sim fazê-lo sem que recaia na vala da crítica fácil, convencional, às vezes feita por vaidade, só para marcar posição e exibir uma falsa independência. Ou pior, sem aderir a uma postura crítica como forma de chantagem... No II Blogprog, falou-se disso nas mesas e também nos bares. No Feitiço Mineiro, um delicioso bar de Brasília onde houve uma confraternização na primeira noite, troquei ideias com um jovem diplomata, que acompanha os blogs e também queria vê-los mais críticos ao governo. Citou a blogosfera progressista norte-americana, que bate impiedosamente em Obama. O exemplo é importante, mas não resisti à ponderação de que o enfraquecimento do afronego permitiu o avanço da direita no Congresso americano, com a vitória dos republicanos nas eleições legislativas de 2010.

Essas questões me fizeram refletir muita coisa. Até onde chega a legitimidade da pressão política? Por exemplo, meu amigo diplomata disse que o dilema pode ser resolvido fazendo uma crítica à esquerda. Certo, é assim que a blogosfera progressista vem conseguindo desvencilhar-se da imagem (que porém desempenhou com tanta paixão e idealismo) de cabo eleitoral. Por outro lado, como evitar o populismo, o oportunismo, o radicalismo? Trata-se afinal de encarar a política como a arte do possível, do diálogo democrático, da tolerância para com interesses que não parecem ser os nossos.

Por trás dessas angústias, não teríamos também, infiltrados insidiosamente em nosso subconsciente por décadas de propaganda conservadora, preconceito e hostilidade, contra o sufrágio político, contra a democracia e suas inevitáveis idiossincrassias? Afinal, não seria também uma violência contra a liberdade de expressão, contra as liberdades individuais, esse constrangimento aos cidadãos que decidem apoiar, através de seus blogs ou simples comentários em redes sociais, o governo que ajudaram a eleger com tanto entusiasmo?

É saudável e necessário que haja crítica ao governo, mas isso tem de ser voluntário! Se for uma obrigação, acabou-se a liberdade!

Entende-se, além disso, que a mídia conservadora, que representa um poder que rivaliza com as instituições políticas, agrida os blogueiros progressistas com acusações de chapa-branquismo. Afinal, ela quer blogueiros que a ajudem em sua eterna guerra para enfraquecer as instituições cujo poder emana do sufrágio, com vistas a fortalecer o poder que emana exclusivamente do dinheiro e da herança. Mas é triste que os próprios blogueiros progressistas façam essa agressão a eles mesmos. Que se auto-agridam. Trata-se, além disso, de uma hipocrisia e de uma tolice: hipocrisia porque eles mesmos também são governistas e chapa-brancas, apenas se sentem constrangidos em sê-lo; tolice porque as forças conservadoras continuarão a chamá-los de governistas e chapa-brancas independentemente de suas veleidades independentistas. De maneira que essas acusações apenas os deixarão divididos, confusos, perdidos num limbo político. E isso sem falar na deselegância de cuspir no próprio pato onde se come. O governo federal ajudou generosamente a bancar os custos do II Blogprog. Por quê? Porque entende sim a blogosfera progressista como sua aliada. É um governo eleito e o que mais irrita os barões da mídia é que este governo eleito use o poder que lhe foi conferido pelo povo para tomar decisões tais como patrocinar eventos como o II Blogprog em vez de uma conferência do instituto Millenium.

Na minha opinião, portanto, a blogosfera deveria superar seus receios psicoanalíticos de ser ou não chapa branca. Trata-se de algo parecido com nossa mania (inclusive minha) de repetir que "não sou petista". Não pertenço ao PT, mas isso não impede que meus adversários me chamem de petista, ou que mesmo alguns conhecidos (anti-petistas) às vezes me recebam com um jocoso: "chegou o companheiro". Não podemos ligar para esse tipo de coisa.

Esta nobreza tão sonhada, essa independência utópica, não a alcançaremos nunca estabelecendo regrinhas de comportamento coletivo, ou forçando uma postura crítica artificial. A força da blogosfera está no que o detetive Hercule Poirot, nos livros de Aghata Chrisite, chamava de "massa cinzenta". Aí está a nobreza: na análise inteligente e franca, na liberdade de linguagem, no idealismo genuíno, no debate aberto, democrático, na busca pela verdade que só a transparência da internet aliada ao voluntarismo infinito dos ativistas digitais pode empreender.

A nobreza do blogueiro, por fim, é uma questão de beleza. Não adianta criticar ou elogiar se não há beleza no estilo, o que inclui uso racional e equilibrado de ferramentas lógicas, retóricas, estatísticas, humor e poesia. De nada adianta uma crítica neurastênica, que reage mal a qualquer contra-crítica. As verdadeiras críticas tem o vigor e a autoconfiança que o interesse popular e a lógica democrática lhes conferem. Receberão apoio social e serão legitimadas pelos especialistas bem intencionados.

Quando eu falo em beleza, não me refiro a nenhum tipo de pedância ou excluo o indivíduo leigo em conhecimento teórico de qualquer espécie. A realidade da blogosfera revela que qualquer um, seja um simplório trabalhador em restaurante, seja uma faxineira, tem capacidade política para fazer uma crítica elegante e racional. Refiro-me à beleza da própria simplicidade, à beleza dos argumentos consistentes, cuja força não reside no impacto contingente, momentâneo, efêmero, das afirmações demagógicas, mas na resistência ao fogo da história.

Mas a beleza propriamente estética é igualmente fundamental à blogosfera, para que lhe conferir poder de convencimento, sem o qual ela não teria sentido.

Sente-se no ar também uma espécie de depressão pós-eleitoral que, embora tenha amainado um pouco nos últimos meses, ainda tem gerado muito negativismo nas redes sociais. Neste ponto, eu cito com muito prazer (e com a ironia alegre de um ateu) nosso amigo Jesus Cristo: "não vim trazer a paz, e sim a espada". Continuo achando que a discussão política é também um divã, onde as pessoas filtram problemas íntimos, angústias, expectativas, fracassos ou sucessos pessoais, no coador de suas opiniões. Tudo está na conta, mas é preciso separar as coisas, examinar minuciosamente as diferentes opiniões, às vezes uma por uma, num trabalho de formiguinha que somente a blogosfera, com sua maravilhosa capilaridade, pode realizar.

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