domingo, 2 de setembro de 2012

Pretensões acadêmicas

ELEIÇÕES 2012   -   Perfil Fernando Haddad

Candidato petista à Prefeitura de São Paulo criticou Marx e Habermas em suas teses e diz ter sido estimulado por seus professores a ter ousadia na universidadeUIRÁ MACHADO
DE SÃO PAULO
"As perguntas que Giannotti faz são muito boas. Pena que eu não possa dizer o mesmo de suas respostas."
O autor da frase é o paulistano Fernando Haddad, hoje com 49 anos e candidato do PT à Prefeitura de São Paulo. O ano, 1996.
Giannotti é José Arthur Giannotti, um dos filósofos mais respeitados do país e, naquela época, o intelectual mais poderoso do Brasil -era um dos conselheiros prediletos do presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB).
Haddad estava apenas terminando seu doutorado em filosofia na USP e participava de um seminário sobre marxismo. Ao seu lado estavam Leda Paulani e Ricardo Musse, que haviam falado sobre Ruy Fausto e Paulo Arantes, dois outros expoentes da academia brasileira.
Enquanto seus colegas elogiaram os dois intelectuais, Haddad foi crítico a Giannotti. Ao fim da apresentação, foi repreendido por professores.
"Aquilo incomodou algumas pessoas na faculdade, porque era um aluno falando de um homem poderoso", lembra Musse, hoje professor de sociologia da USP.
Graduado em direito e mestre em economia, Haddad era um "forasteiro" na filosofia -e muitas vezes era tratado como tal.
Paulani, professora de economia da USP, também se recorda das reações: "Foi como se perguntassem 'quem é você para falar assim?' e dissessem 'que atitude arrogante'. Mas ele não fugia das discussões. Encarava, mesmo".
O tom não é estranho a Haddad. Sua tese de doutorado, concluída naquele ano, traz críticas explícitas a raciocínios de Karl Marx (1818-1883), um dos principais ideólogos da esquerda, e Jürgen Habermas, um dos maiores filósofos da atualidade.
"São de duas ordens distintas os problemas que enxergo nas formulações de Marx", escreve Haddad.
E adiante: "Até esse ponto, a crítica de Habermas é acertada; mas, a partir dela, ele tira uma conclusão que eu não posso deixar de considerar equivocada".
A pretensão do petista não era pouca. Com o estudo ele queria, basicamente, reorientar o pensamento de Habermas na direção que ele, Haddad, considerava correta.
Naqueles tempos, a Faculdade de Filosofia da USP era -ou pelo menos se achava- um dos principais centros da inteligência nacional. Oferecer ao mundo a nova interpretação do marxismo era um dos objetivos de seus alunos.
"Eu não era um ponto fora da curva", afirmou Haddad à Folha, durante entrevista em março. "Éramos estimulados pelo ambiente e pelos professores a ter essa ousadia. A pretensão intelectual era uma marca daquela época."
Se Haddad se define de certa forma como produto de seu tempo, de seu tempo ele também foi vítima. No final da década 90, o marxismo foi aos poucos sendo deixado de lado a tal ponto que, no século 21, é possível se formar em filosofia sem nunca ter tido uma aula sobre Marx.
Haddad dedicou os anos do doutorado ao estudo de uma tradição intelectual que, depois, perdeu relevância na academia. Algo semelhante ocorrera antes, no mestrado em economia. Ali, porém, ele buscou espaço num debate que desde logo não estava no foco da faculdade.
"O mestrado de Haddad teve impacto nulo", diz Leda Paulani. "Não por faltar qualidade, mas porque ele era um 'outsider'. E porque teoria e história, sem modelos matemáticos, não são bem vistas na economia."
TEORIA ECONÔMICA
Após se formar em direito em 1985, Haddad decidiu estudar economia para entender como a teoria marxista, a seu ver libertária, havia servido de substrato para o despotismo implantado na União Soviética (1922-1991).
Em 1986, o bacharel partiu em viagem de quatro meses por vários países. Voltou em junho e procurou Marco Antonio Vasconcellos, que coordena um curso preparatório para o exame Associação Nacional dos Centros de Pós-Graduação em Economia.
Haddad descobriu que o cursinho tinha início no começo do ano e foi desestimulado a prestar o exame.
"É muito difícil entrar no mestrado em economia mesmo para quem é formado na área. Como ele insistiu, eu passei a bibliografia básica e dei uma pequena orientação, mas ele estudou sozinho", conta Vasconcellos.
Nos três meses que tinha pela frente antes do exame, Haddad se dedicou a ler duas vezes cada um dos cerca de 20 livros indicados.
"Na mesa de estudos, ele fazia duas pilhas: de um lado, os livros que precisava ler; do outro, os que já lera", lembra o jornalista Eugênio Bucci, amigo de Haddad desde a Faculdade de Direito.
Aprovado na USP, Haddad se pôs a escrever sobre o sistema econômico da União Soviética, que desmoronava enquanto ele o estudava.
Em 1989, passou uma temporada no Canadá. Enquanto o Brasil nem tinha toda a bibliografia necessária, universidades canadenses recebiam notícias da União Soviética com "apenas" dois dias de atraso. Escrito no calor do momento, o trabalho de Haddad já continha traços daquela "pretensão intelectual".
"Vejamos o que Marx realmente quis dizer e o que [Leon] Trótski [1879-1940] infelizmente entendeu", escreve Haddad, para em seguida concluir: "Ora, esta é uma interpretação inaceitável".
Hoje, ao reler o trecho sobre o raciocínio de um dos principais nomes da Revolução Russa, ele dá risada. "Foi um período muito vibrante."

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